Jules Henry

No Assunto Do Mangue Beat

12 Apr 2025

Chico Science — te amo.

Conhece você a música de Bezerra da Silva — sambista da favela, progenitor do gênio do sambandido?

Conhece você a obra de Josué de Castro — nutricionista e filósofo da solução da fome?

Foi através de Chico Science que conheci esses caras e suas obras. Além disso, é um amor no estilo grego entre irmãos — eu sinto uma conexão profunda, artística, com esse cara no sangue.

Eu, por minha parte, tenho visto múltiplos documentários com os outros membros do grupo, o concerto jubiloso com Gilberto Gil, músico e dissidente político, em Nova Iorque, e o manifesto Manguebeat mesmo — coautorado por Fred Zero Quatro (de Mundo Livre S/A) e incluído no disco Da Lama ao Caos.

Sem dúvida, a obra de Chico Science e da Nação Zumbi constitui uma das melhores músicas dos anos noventa. Tragicamente, cessou, em certo sentido, com a morte de Chico Science, num Fiat Uno, à idade de 30 anos, o 2 de fevereiro, 1997.

Então, fico obcecado, posso te admitir — sou fanático da ideologia musical do Manguebeat, com seu animal-espírito do caranguejo elétrico — que representa a dicotomia entre a vida moderna e a natureza de Recife, no nordeste do Brasil.

E isso é a coisa, né? Que o homem tenha esquecido sua índole, tentado moldar o mangue à sua imagem — e por isso, a natureza volta com resposta — a antena fincada na lama.

A bastardização moderna do mangue se manifesta como os mutantes da imaginação recifense.

Pintamos o cenário que pariu o Manguebeat: “Com a redemocratização em 1985, o povo recifense se encontra em uma cidade com pouca inovação musical e muito decaída. Em 1991, um órgão das Nações Unidas elegeu Recife como a quarta pior cidade do mundo para se viver. A população de Recife estava sem orgulho e sem sentimento de pertencimento à própria cidade” (TELES, 2019).

Para compreender o Mangue, precisamos apreciar o maracatu — a etimologia da palavra deriva da reapropriação de um termo racista que descrevia a bagunça da sociedade africana. Então, foi a música do povo escravizado em Pernambuco. Sua influência surgiu nos ritmos de tambores no Brock (lit. rock brasileiro) e renasceu as ondas de ar não só no manguezal pernambucano, mas do mundo inteiro. Colocou Recife no palco mundial, fonograficamente - foi a música que revitalizou a cultura recifense de raízes subterrâneas presas aos galhos nodosos do mangal. Em nossa era moderna, a essência do mangue beat é ainda mais relevante. Vemos um mundo sucumbir ao TikTok, aos reels do Instagram, à idiotez do YouTube e à supremacia da inteligência artificial.

Para combater isso, precisamos de maracatu atômico, quântico e nanotecnológico: precisamos do retorno de instrumentos orgânicos que capturem a alma da música.

Anamauê, auêia, aê
Anamauê, auêia, aê
Anamauê, auêia, aê
Anamauê

REBELLO, Pedro Frota Pires. Manguebeat: como fortalecer o movimento sem perder a sua essência? 2023. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Administração de Empresas) – Departamento de Administração, Centro de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2023.